06 janeiro 2006
Ela
"Hum... A vida continua neste lado do planeta..."
‘Não sei, devo estar com alguma espécie de depressão parola que está na moda.’ pensou contemplando a folha onde escrevia. Onde as letras ingratas, a tinta, eram traçadas, subtilmente pousadas na fibra complexa e branca do papel. Levantou o olhar para o pousar naquilo que o tinha estado a perturbar desde a semana passada. Aquilo que lhe tinha tirado o sono durante noites e noites a fio. Um telemóvel em cima da secretária. Silencioso, por fim. Era o medo de que tocasse. Um medo surdo de que a voz do outro lado voltasse a surgir. Ela. Sempre lá, com falinhas mansas. Com conversas que o iludiam. Que o deixavam nu de espírito. Ela que o consumia. Ela que insistia em voltar. Ela.
Nos seus poucos momentos de lucidez, já tinha pensado em livrar-se d’Ela. De uma vez por todas, porque a primeira tentativa aparentava ser um fracasso. Mas a ilusão voltava a levá-lo para aqueles desertos quentes, para aquelas terras geladas de paixão. E tudo mudava. Ela passava a ser necessária. Como água de um oásis, era indispensável.
Sabia que ia tocar. Tocava sempre. O rádio emitiu o característico som de interferências sonoras “tdd tdd tdd”. E tocou. Durante minutos Manuel não reagiu, continuou a olhar para a folha onde ainda só constava uma frase. Depois de uma breve inspiração atendeu.
Odeias-me? - foi o que ouviu do outro lado.
A verdadeira resposta seria um “Sim” nu e cru, mas a vida já lhe tinha ensinado que a verdade nem sempre era bem-vinda.
Odiei-te durante uma semana, mas agora acho que não. - disse
Tenho antes pena de ti minha tonta. Não vez que estou farto? Farto de tudo o que vivemos, farto de tudo o que insistes em reviver. Farto de todos os telefonemas, farto de todas a conversas que me obrigas a ter. Farto de tudo pelo que me fizeste passar. Farto dos teus pedidos de desculpas. Farto de não saber o que quero, farto de não saber quem sou. Farto daquilo que vejo em ti e farto daquilo que vi em ti. Farto da tua estúpida minúcia, farto da tua esperteza e do teu fogo no olhar. Farto desses cabelos oleosos e do enfático perfume que deixas no ar. Farto, estás a ouvir? Farto! E ainda mal comecei. Tudo o que me fizeste, (porra!) Só me quero é esquecer. Quero lá saber de conversas parvas para esclarecer as coisas! Achas que isso nos vai levar a algum lado?! O mal está feito, resta esquecê-lo!
Foi por tua causa que entrei neste mundo e é por tua causa que não consigo sair. Preso como cão à trela. Um animal enjaulado que quer comer. Mas eu não quero, preciso. Preciso disto para viver! E por tua causa. Por teres voltado, por teres feito pouco de mim pela segunda vez. E digo-te: pela última vez! Estou farto do teu ar bem-disposto e despreocupado; a vida tem muito mais que se lhe diga, minha menina. E estou farto de estar adormecido.
Óptimo então! Vens cá a casa hoje à noite? – era mais uma ordem do que uma pergunta.
Sim.
‘Não sei, devo estar com alguma espécie de depressão parola que está na moda.’ pensou contemplando a folha onde escrevia. Onde as letras ingratas, a tinta, eram traçadas, subtilmente pousadas na fibra complexa e branca do papel. Levantou o olhar para o pousar naquilo que o tinha estado a perturbar desde a semana passada. Aquilo que lhe tinha tirado o sono durante noites e noites a fio. Um telemóvel em cima da secretária. Silencioso, por fim. Era o medo de que tocasse. Um medo surdo de que a voz do outro lado voltasse a surgir. Ela. Sempre lá, com falinhas mansas. Com conversas que o iludiam. Que o deixavam nu de espírito. Ela que o consumia. Ela que insistia em voltar. Ela.
Nos seus poucos momentos de lucidez, já tinha pensado em livrar-se d’Ela. De uma vez por todas, porque a primeira tentativa aparentava ser um fracasso. Mas a ilusão voltava a levá-lo para aqueles desertos quentes, para aquelas terras geladas de paixão. E tudo mudava. Ela passava a ser necessária. Como água de um oásis, era indispensável.
Sabia que ia tocar. Tocava sempre. O rádio emitiu o característico som de interferências sonoras “tdd tdd tdd”. E tocou. Durante minutos Manuel não reagiu, continuou a olhar para a folha onde ainda só constava uma frase. Depois de uma breve inspiração atendeu.
Odeias-me? - foi o que ouviu do outro lado.
A verdadeira resposta seria um “Sim” nu e cru, mas a vida já lhe tinha ensinado que a verdade nem sempre era bem-vinda.
Odiei-te durante uma semana, mas agora acho que não. - disse
Tenho antes pena de ti minha tonta. Não vez que estou farto? Farto de tudo o que vivemos, farto de tudo o que insistes em reviver. Farto de todos os telefonemas, farto de todas a conversas que me obrigas a ter. Farto de tudo pelo que me fizeste passar. Farto dos teus pedidos de desculpas. Farto de não saber o que quero, farto de não saber quem sou. Farto daquilo que vejo em ti e farto daquilo que vi em ti. Farto da tua estúpida minúcia, farto da tua esperteza e do teu fogo no olhar. Farto desses cabelos oleosos e do enfático perfume que deixas no ar. Farto, estás a ouvir? Farto! E ainda mal comecei. Tudo o que me fizeste, (porra!) Só me quero é esquecer. Quero lá saber de conversas parvas para esclarecer as coisas! Achas que isso nos vai levar a algum lado?! O mal está feito, resta esquecê-lo!
Foi por tua causa que entrei neste mundo e é por tua causa que não consigo sair. Preso como cão à trela. Um animal enjaulado que quer comer. Mas eu não quero, preciso. Preciso disto para viver! E por tua causa. Por teres voltado, por teres feito pouco de mim pela segunda vez. E digo-te: pela última vez! Estou farto do teu ar bem-disposto e despreocupado; a vida tem muito mais que se lhe diga, minha menina. E estou farto de estar adormecido.
Óptimo então! Vens cá a casa hoje à noite? – era mais uma ordem do que uma pergunta.
Sim.