03 fevereiro 2006

Cláudio

Entrou em casa com o ar de sempre. Pior. Calado, cansado e ainda por cima, obrigado a estar com quem mais desejava. Pior do que estar com quem se detesta, é estar com quem se deseja e saber que não se é desejado. Mas ela estava ali. E tinha de a aturar. Trabalho. Maldita apresentação. Também, mas porque é que tinha de trabalhar com ela? Porra! Estúpido. A vida já lhe tinha ensinado que as pessoas mudam. Algo que é bom pode-se tornar mau a seguir. E sobre tudo, as vontades mudam.
Subiu as escadas, depois de se ter descalçado. Ela já lá estava em cima. Já estava completamente à vontade naquela casa que não era a sua. Ouviu-a dizer olá à mãe, porque raio é que alugar um apartamento é tão caro, porra. Tinha de suportar aquelas duas mulheres a conversar, a tagarelar sobre a vida. Sobre como as crianças se portavam mal, como o Eduardo fazia disparates e como o Ricardo perdia os casacos. Falavam como se fossem irmãs. À vontade sobre temas que não o interessavam puto. E continuavam. "Mas a tua mãe como está? Também anda cansada, não é? Pois coitada, tratar de dois filhos sozinha, isto as coisas já não são como eram antes."
"O puto já achou o casaco?" soltou.
"Oh sim. Disse que o tinha emprestado ao não-sei-quantos porque ele tinha de ir não-sei-onde e não tinha casaco." Virou-se para a rapariga "Sempre as mesmas desculpas, não é Sofia? O que é que se há-de fazer?"
"Pois, o Eduardo dava o lanche aos amigos. E não comia nada." dizia isto como se fosse uma fatalidade "depois a mãe passou a fazer sandes com diferentes sabores e à noite perguntava-lhe o que é que tinha posto no pão."
"E claro ele não sabia..."
"Pois!" aquelas duas fêmeas pareciam estar em simbiose. «Eu percebo-te, tu percebes-me. O mundo é só isto.»
"Mas agora ele já está melhorzinho..."
"Também, já não era sem tempo."
Sofia ia-se lambuzando com o croissant. E ele enjoava. Olhava para o infinito esperando que a conversa não se prolongasse até lá.
"O que é que tu tens hoje meu querido? Estás tão murchinho, meu amor. Vá lá conta à mamã o que é que se passa."
"Mãe" um suplício, deixa-me em paz por favor. Nem sequer quando está gente em casa o raio da mulher consegue ser discreta e razoável.
Especialmente quando há gente em casa.
Ele levantou-se. "Ainda estou com fome" declarou.
"Ainda? Vê lá se não é só impressão. Querida, não queres mais bolo?”
Cláudio começou a inspeccionar a cozinha.
"Ai, não, que depois fico muito cheia."
Dirigiu-se para o armário.
"Mas tive a fazer de propósito para vocês!"
"Deixaste esta coisa mal arrumada outra vez mãe."
"Oh sim, olha quanto mais espaço tenho, mais difícil é arrumar!" apressou-se para o armário. A roupa à vontade, fato de treino, contrastava com o glamour que sempre queria fazer passar.
Afastou-se para deixar a mãe passar e já agora deixar as duas mulheres.
Foi para a sala.
"Cláudio! Vem cá imediatamente! Vem cá fazer companhia à Sofia! Francamente, deixar os convidados sozinhos, que falta de educação!"
"Oh não há problema!" aquela cabra hipócrita a tentar acalmar as coisas. "Estou bem acompanhada!"
"É que ele está-te a fazer a ti o que me faz a mim, deixa-me sozinha na cozinha!"
Arrastou os pés até a cozinha e não disse mais nada até a princesa dar como acabado o seu real manjar.