17 janeiro 2006

Cláudia

Olhou pela janela e sentiu o frio lá de fora gelar-lhe o espírito. Afastou-se depressa fechando as cortinas com cuidado para que o calor do aquecedor não fosse dissipado. A máquina de lavar fazia o seu barulho característico e a roupa afogava-se lá dentro. Eram os únicos sons naquele espaço frio.

Nunca ninguém vinha lavar roupa tão cedo. Instalou-se num banco plástico cor-de-laranja. Num dos bancos plásticos cor-de-laranja. Todos eles alinhados numa métrica estupidamente mal enjorcada. Tal como as máquinas, umas mais à frente, outras mais atrás. Eram estes estúpidos detalhes que mais enervavam Cláudia.

Passou a mão pelo cabelo e coçou o crânio. A estúpida da água de casa, demasiado calcária, dava-lhe cabo da cabeça. Literalmente. Provocava-lhe caspa e uma comichão atroz, assim como lhe dava cabo da roupa. Ela girava. Às 5h da manhã a roupa girava numa máquina. Com os olhos, Cláudia seguia o bailado aquático através da superfície plástica transparente.

A campainha da porta tocou e esta abriu-se. Uns sapatos de vela gastos, cabelo preto espintalgado de prata e um sobretudo verde, foram as últimas coisas que Cláudia viu.

Ninguém a procurou, ninguém se preocupou e o homem da lavandaria juntou mais umas peças de roupa esquecidas à sua colecção. "Olha a Mariana vai gostar deste casaco. Não sabia o que lhe dar pôs anos, olha problema resolvido."

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