22 janeiro 2006

Cinza

Já estava preso há um ano. Há um anos que estava por trás das grades. Há um ano que a luz do sol era vista às riscas. Há um ano que andava à volta no espaço pequeno. Que repetia as mesmas palavras. Que ouvia as mesmas conversas. Que era denegrido, gosado, ridicularizado. Há um ano que não vivia. Mas antes, ... O que é que tinha antes? Não muito mais, pensava. Afinal sempre tinha feito parte daqueles que nunca foram livres. Aqueles cujo o mundo se reduzia às suas pequenas vidas insignificantes, controladas por outros. E os olhos verdes chorosos nunca haviam de mudar alguma coisa.

O homem de cinza aproximou-se por de trás das grades. Sorriu. Sempre o fizera para ele. Passou uma bolacha para dentro das grades e riu-se vendo o corpo da sua vítima correr para a apanhar. Comeu depressa apanhando todas a migalhas do chão imundo. Quando a fome aperta, não há que ser esquisito. Não via comida há semanas. Semanas. Poucos sabem o que é a fome. A verdadeira fome. O estômago a destruir-se com os próprios ácidos, a língua seca que pouco a pouco perde a sensibilidade aos sabores, as tonturas de morte e a fragilidade.

O homem contemplava-o, de certa forma fascinado. “Olá”- disse com aquele sorriso parvo estampado na cara. Vendo que não lho era retribuído insultou-o. Virou-lhe as costas afastando-se.

Sempre tivera medo do Cinza, mesmo assim recusava-se a falar com ele. Mas agora que a fome o roía, os princípios já não tinham grande importância.
“Olá”
O homem virou-se. “Tu falaste?” Olhava para ele como se fosse um prodígio da natureza. Ele por sua vez olhava para o Cinza implorando mentalmente que aquela palhaçada lhe desse algo para comer.
“Falaste, não falaste? Olá!”
“Olá” respondeu friamente, amaldiçoando-se por ter aberto o bico.

“Maria! Vem cá ver! O papagaio fala!”

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